Fui acompanhar minha irmã à uma consulta e teria uma hora de pleno ócio na sala de espera. Assim que ela foi chamada, enfiei a mão na bolsa para pegar o celular e me dei conta que o havia esquecido em casa. Procurei novamente ainda incrédula, por uma, duas, três vezes dentro da bolsa.
Por alguns segundos um sentimento de insegurança e desamparo me tomaram, ficaria uma hora incomunicável. Havia levado o livro que estava lendo e queria enviar a foto de um trecho interessante para uma amiga. Também mantenho o hábito de anotar observações no bloco de notas do celular para não perder insights para algum texto, o que não seria possível.
Me convencendo de sua falta inequívoca, anotei a frase que me veio à mente no próprio livro (sempre ando com lápis na bolsa) e que poderá ser usada em um romance que ando estruturando; marquei a página do livro para fotografar depois para a amiga e me aquietei na leitura. Assim que acabei a leitura do capítulo, automaticamente tornei a procurar o telefone na bolsa, a falta ainda incomodava. Saquei então a caderneta que também anda na bolsa para casos assim, e rascunhei esta crônica que agora vocês leem. O analógico às vezes nos salva.
Meu desconforto de estar temporariamente afastada da tecnologia me fez lembrar de uma imagem que rodou o mundo esses dias. No réveillon de Paris, milhares de celulares registravam a virada do ano em um dos lugares mais cobiçados do mundo. Uma massa humana inerte, empunhando suas câmeras de última geração, gravavam os fogos de artifício no arco do triunfo. Uma massa de homens e mulheres, adultos e jovens, com um único propósito de registrar as imagens, todos contemplando o espetáculo através de suas câmeras.
Não conheço ninguém que estava lá, porém, essas imagens devem ter enfeitado as redes sociais de muitos. Qual o propósito? Contar ao mundo que estavam ali? Guardar estas imagens para assistir depois em suas TVs? Não haviam abraços, desejos de um feliz ano novo, celebração, sorrisos, nada. Atenção plena nas telas, no zoom, no foco, nas configurações da imagem em cada aparelho. Estavam lá? Viveram aquele momento com presença?
Uma massa humana, talvez de muitas nacionalidades diferentes, portadores de histórias diversas, alguns muito felizes, outros tristes; uns sozinhos, outros acompanhados de família e amigos. Entretanto, numa solidão escolhida, todos ali se relacionavam apenas com a própria máquina, inertes frente à beleza do momento, capturando o instante para degustar depois, junto aos likes e o engajamento que as imagens provocaram.
Sim, foi uma cena chocante, compartilhada à exaustão, criticada e mote para diversas reflexões sobre os rumos sociais de nossa espécie, como essa que faço. Talvez tenhamos que adaptar a frase de Descartes aos tempos digitais: Posto, logo existo. Fico aqui pensando que aquelas pessoas ali, ao se reunirem com outras para conversar, em vez de fazerem um relato de experiência daquele momento, dirão, olha que vídeo incrível eu fiz do réveillon! E o interlocutor irá perder a oportunidade de imaginar a cena, pois o vídeo mostrará em detalhes o que se passou. Porém o vídeo não consegue retratar a emoção sentida por aquele que estava ali, presente de verdade.
Uma das minhas metas deste novo ano é exatamente diminuir o acesso às redes sociais. Viver mais, postar menos. Perder menos tempo olhando para coisas que não vão agregar nada à minha vida ou conhecimento. Fácil? Não, muito difícil por sinal. Fomos todos abduzidos por este mundo virtual, que entretém, nos diverte e libera quantidades surreais de dopamina em nosso organismo, provocando intensa sensação de prazer e alegria. Sensações tão efêmeras quanto cada post nas redes.
Dito isso, o que desejo para este novo ano que se inicia é mais presença. Estar inteiro em cada momento, desfrutando das alegrias e também tristezas que eles podem nos ofertar. Um passo atrás nessa imersão no virtual. Que nos libertemos da prisão tecnológica.