Tenho um amigo que sempre fala que toda vida daria um filme, ou um livro. Neste caso, nada há de tão diferente de tantas outras famílias do mesmo tempo. Porém, os acontecimentos escritos literariamente ganham novos olhares e outras chances.
Me encantou a riqueza de detalhes, a escrita fluida e cativante e, claro, as histórias de sua infância e outras, ainda mais remotas, do tempo de sua mãe. É uma delícia de livro com um quê de novela de época das dezoito horas. Uma viagem no tempo por uma Belo Horizonte da primeira metade do século passado, por costumes já em desuso e figurinos tão elegantes quanto obsoletos.
Sempre gostei de ouvir casos de tempos antigos contados na maioria das vezes pelas mulheres da minha família. Ficava horas ouvindo, atenta aos detalhes. Muitos desses casos ainda guardo na memória e, vez ou outra, tenho oportunidade de contá-los. Aos meus olhos de menina, todas aquelas histórias pareciam ter mais presença e sentimento.
Era uma garota romântica e ainda não era capaz de ouvir os silêncios presos nas entrelinhas. Trabalhando na obra, me peguei lembrando de vários desses episódios contados e recontados, principalmente por uma tia-avó muito querida, insistente em falar e suspirar pelos tempos antigos. “No meu tempo é que era bom”, ela dizia e remendava. Tudo era muito difícil, mas a vida era melhor.
Enquanto lia e revisava o livro, foi impossível não associar aqueles relatos de Helena com a história que sei de minha mãe, da mesma idade da autora e também de BH. O que me ocorre agora é aquilo que a memória escondeu e não deixou de herança. Aquilo que ultrapassa os silêncios nas entrelinhas.
Quanta vida brutalmente esquecida tanto no livro de Helena quanto na história de minha mãe. Helena talvez ainda tenha tempo e lucidez para lembrar e, por que não, escrever um novo livro. Minha mãe não. Já está em processo de mudança para sua casa de infância, onde se tem mais presente e vasto futuro e que, no fim e ao cabo, é o lugar que agudamente mais nos habita.
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Jornal A Notícia