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Aquela bondosa senhora - por Alfeu Sábato, cronista e historiador

Naquele tempo, como diz os evangelhos, eu tentava a sorte em Belo Horizonte, a procura de um emprego. Hospedava de favor na residência de uma tia, nas proximidades do Minas Tênis Clube.

Alan H. Rezende
Por: Alan H. Rezende
04/10/2024 às 10h30
Aquela bondosa senhora - por Alfeu Sábato, cronista e historiador

Naquele tempo, como diz os evangelhos, eu tentava a sorte em Belo Horizonte, a procura de um emprego. Hospedava de favor na residência de uma tia, nas proximidades do Minas Tênis Clube.

 

Para ir ao centro da cidade e por medida de economia, descia a rua da Bahia a pé e sempre parava na bela Igreja de Lourdes, local dos mais belos e luxuosos casamentos da sociedade belorizontina!

 

Ali, fazia minhas orações aos pés da padroeira dos enfermos, Nossa Senhora de Lourdes. O cheiro agradável de uma árvore de Magnólia me colocava em sintonia com minha infância querida!

 

Esta frondosa árvore estava situada bem próximo à uma bonita e aprazível residência, do outro lado da praça. Sempre via ali no alpendre, uma simpática senhora de cabelos prateados e belos olhos azuis! E… eu pensava: “ela é feliz e realizada, mora em uma bonita e confortável residência em um local privilegiado!”

 

Esta cena, era repetida por várias e várias vezes, eu descendo a pé e a parada, já tradicional, na igreja! Um dia, criei coragem e fui até as proximidades do alpendre e cumprimentei aquela que já se tornara para mim um anjo protetor!

 

Ela respondeu cordialmente e os seus belos olhos azuis brilhavam para mim! Vi, naquele instante, a figura de minha saudosa mãe, que nos deixou ainda muito jovem! Ela também tinha olhos azuis! Eu disse para ela:

 

  • Não precisa ter medo de mim não, sou gente boa! - e ela respondeu:
  • Pelo seu jeito, percebo que é boa pessoa!

 

Contei para ela, aquele meu ritual de todos os dias. E, ao despedir, disse que voltaria a vê-la. Com a concordância dela, criei coragem para voltar! No dia seguinte, lá estava ela no mesmo lugar de sempre.

 

Seu jardim maravilhoso e perfumado e no quintal uma bela árvore de nome feio, “Sabão de Gentio”. Disse para ela que aquela árvore estava em extinção e se ela me mandava algumas sementes, para plantar.

 

Ela, prontamente, foi ao quintal e trouxe para mim várias sementes que vem dentro de uma bolinha, que as crianças usavam como apitos. Já com alguma intimidade, perguntei:

 

  • A senhora é de Belo Horizonte ou do interior? - e ela, sorrindo, respondeu:
  • Eu sou de uma cidade que você nunca ouviu falar, chama-se Carmópolis de Minas, antigamente, era chamada de Japão! - dei uma gostosa risada e disse:
  • Eu conheço, já fui lá várias vezes, encarando as curvas da Serra da Serafina! - e ela exclamou:
  • Você é de onde? Você conhece mesmo! - daí eu disse:
  • Sou de Carmo da Mata, somos filhos da mesma padroeira, Nossa Senhora do Carmo! O pároco local, Vicente Assunção, é de Carmo da Mata e ia sempre ao seu sítio, Bethânia, em Carmópolis! - rimos muito e eu disse que voltaria.

 

No dia seguinte, já com mais intimidade, ela me convidou para entrar. Lá estava eu, dentro daquela casa que tanto admirava! Móveis bonitos e antigos compunham aquele belo cenário! A auxiliar trouxe o café servido em xícaras de porcelana inglesa, acompanhado de deliciosas quitandas próprias do interior!

 

Comi muito, sem cerimônias, pois naquele dia ia economizar o dinheiro do lanche! Falamos sobre nossas famílias e contei para aquela bondosa senhora, a minha luta à procura de um emprego na capital! Também disse que me sentia bem na presença dela, que via nela uma aura de bondade! Ela ficou feliz ao ouvir meu elogio e me disse:

 

  • Vejo em você, um moço triste, mas não preocupe, a tristeza é passageira e você, em breve, estará trabalhando, constituindo família, após um casamento feliz!

 

Esta convivência continuou nem que fosse para dar um rápido bom dia! Mas… o tal emprego tão almejado apareceu mas, me separou de minha musa inspiradora! Voltei ao interior para trabalhar, os tempos passaram e Carmópolis, Carmo da Mata e Belo Horizonte mudaram!

 

Não tinha mais a minha tia e nem a sua casa na rua Antônio Albuquerque e nem mais o meu ritual de todos os dias que  me proporcionou conhecer aquela  grande dama! Um dia, fui à Belo Horizonte, criei coragem e disse comigo mesmo: “vou ver minha amiga nem que seja em um leito de dor ou em uma cadeira de rodas!”

 

Um táxi me levou nas proximidades da Igreja de Lourdes e corri até aquela abençoada e aprazível residência, o cheiro da árvore de Magnólia era o mesmo, mas o perfumado jardim não tinha mais, as flores morreram, como morreu minha grande dama. Aquela que sem me conhecer, me aceitou como amigo e me transmitiu palavras de amor e conforto!

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“Naquele alpendre tá faltando ela e a saudade dela tá doendo em mim!”

 

Coloquei minha cabeça junto ao parapeito do alpendre e chorei copiosamente e dizia baixinho: “caríssima dama dos olhos azuis, as lágrimas que rolam por minha face são para a senhora, como prova do meu amor e sincera amizade!”

 

Podíamos ter convivido mais… mas o pouco que convivemos engrandeceu minha vida! E, lá do seu trono em sua bonita e rica igreja, Nossa Senhora de Lourdes, abençoava nossa bonita amizade e agora abençoa a bondosa alma de uma  criatura que nasceu para ser boa!

 

E… continua me abençoando também! Morreu, como morreu o seu abençoado jardim! Como caem as pétalas das rosas!

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Jornal A Notícia

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